
A importância da educação musical nas crianças
A música é algo poderoso e universal, capaz de nos fazer mover, inspirar, emocionar, motivar, comover, ou simplesmente distrair ou divertir.
A sua universalidade é evidente ao conseguirmos encontrar em todas culturas, que habitam, ou já habitaram, o nosso planeta, as suas próprias músicas, transmitidas de geração em geração desde a pré-história.
E se a função sociocultural da música é algo incontestável, o seu papel enquanto instrumento pedagógico tem sido uma área de estudo que tem despertado o interesse de educadores, professores, pais e cientistas nas últimas décadas.
De que forma pode a música influenciar o desenvolvimento de uma criança? Que impacto, que consequências tem a aprendizagem de um instrumento no desenvolvimento cognitivo e da personalidade de uma criança? Qual a influência da educação musical no processo de aprendizagem? Será que estudar música ajuda noutras áreas do conhecimento?
Estas são apenas algumas das questões que têm movido os investigadores em várias áreas científicas, da pedopsicologia à neurociência.
E a que conclusões têm chegado? A resposta é simples: a educação musical contribui muito positivamente para o desenvolvimento de uma criança e tem diversos benefícios cognitivos a curto, médio e longo-prazo.
Mas deixemos a ciência falar por nós e abordemos alguns dos estudos sobre estas matérias para compreender o que isto significa na prática.
Como a música estimula o cérebro
De acordo com a pesquisa realizada por Anita Collins — autora, educadora e investigadora que tem dedicado a sua carreira ao estudo do impacto da educação musical nos processos de desenvolvimento das crianças — a aprendizagem de música permite desenvolver um grande número de capacidades cognitivas e de sociabilização.
Ao analisarem o comportamento do cérebro [https://www.ted.com/talks/anita_collins_how_playing_an_instrument_benefits_your_brain] quando estamos a ouvir música, os neurocientistas descobriram que esta atividade desperta mais zonas do cérebro do que outras tarefas como ler ou resolver problemas matemáticos. E se ouvir música consegue provocar uma complexa atividade cerebral, tocar um instrumento é uma atividade ainda mais intensa.
Quando estamos a realizar exercícios musicais — como manter o ritmo com palmas, cantar no tom ou acompanhar a progressão de uma canção numa pauta — os córtices motor, visual e auditivo do cérebro estão a comunicar entre si a grande velocidade. Em simultâneo, as redes cognitivas, de recompensa e sensoriais partilham informações e, por sua vez, as redes de perceção, emoção e cognição estão a interpretar e a dar significado a toda a informação que o cérebro está a processar. Estudar e ouvir música é, por isso, um exercício bastante completo para todo o cérebro.
Este treino intenso cognitivo, que acontece cada vez que estudamos música, faz com que a educação musical em idades em que o nosso cérebro tem uma maior plasticidade [https://vimeo.com/101367905] (até aos 7 anos) tenha um grande impacto no nosso desenvolvimento.
O estudo de um instrumento é uma tarefa árdua e exigente, como vimos pelo seu impacto neurológico. Por isso, como qualquer outro tipo de exercício regular, quando conseguimos manter a disciplina exigente do treino musical, conseguimos que esta fortaleça a nossa capacidade de realizar outras atividades e tarefas.
A grande diferença entre ouvir e tocar música é que a última exige boas capacidades motoras que são controladas por ambos os hemisférios do nosso cérebro. Tocar um instrumento exige a conjugação da linguística e precisão matemática (controladas principalmente pelo hemisfério esquerdo do cérebro) com a vertente criativa (dominante no hemisfério direito).
Por estas razões, os cientistas descobriram que tocar um instrumento contribui para o aumento do volume e da atividade do corpo caloso, a ponte que liga os dois hemisférios, permitindo a troca de mensagens entre os dois lados de forma mais rápida e eficiente. Assim, não é de estranhar que os músicos tenham uma capacidade elevada para resolver problemas de forma mais eficaz e criativa, tanto a nível académico como social.
Para além da componente neurológica atrás referida, a aprendizagem de música em grupo — em turmas, bandas ou orquestras, por exemplo — tem também o benefício de contribuir para a melhoria das capacidades de sociabilização, inteligência emocional e comunicação das crianças.
Num estudo [https://neurosciencenews.com/social-skills-music-lessons-psychology-3009/] conduzido pelo Departamento de Psicologia da Universidade de Toronto Mississauga, em que um grupo de crianças teve aulas de música semanais em grupo, durante um período de 10 meses, concluiu-se que estas crianças melhoraram consideravelmente as suas atitudes de compaixão, compreensão e comportamentos pró-sociais. Estas melhorias verificaram-se em cenários de ajuda aos outros, resolução de conflitos e de partilha com os outros.
Glenn Schellenberg’s, responsável pelo estudo, afirma que as aulas de grupo de música permitem uma maior interação entre colegas e que o interesse inato de cada criança pela música tem um efeito unificador entre elas.
Estudar piano ajuda a desenvolver a linguagem
Depois de termos olhado para o impacto neurológico da aprendizagem de música no geral, vejamos agora um exemplo concreto.
Existem vários estudos publicados que comprovam que o treino musical ajuda no desenvolvimento das capacidades linguísticas. Recentemente, investigadores da universidade MIT (Massachusetts Institute of Technology) [https://news.mit.edu/2018/how-music-lessons-can-improve-language-skills-0625] concluíram que a aprendizagem de piano por crianças é tão ou mais benéfica como ter aulas extra de leitura no processo de aprendizagem de uma língua.
O estudo foi realizado em Pequim, na China, com crianças com idades entre os 4 e os 5 anos que tinham Mandarim como a sua língua-mãe. As 74 crianças participantes foram separadas em 3 grupos: um recebeu lições de piano de 45 minutos durante três vezes por semana; outro recebeu aulas adicionais de leitura com a mesma regularidade; e o último não recebeu qualquer intervenção.
Passados seis meses, os investigadores testaram as crianças nas suas capacidades para distinguir palavras com base nas vogais, consoantes e tom (em Mandarim algumas palavras distinguem-se apenas pelo tom).
As crianças que tiveram aulas de piano demonstraram uma vantagem significativa em relação às crianças que tiveram aulas extra de leitura, na distinção entre palavras que só diferem por uma consoante. Por outro lado, tanto as crianças que estudaram piano como as que tiveram aulas extra de leitura revelaram uma maior capacidade em separar as palavras que se distinguem entre si pelas vogais do que as crianças do grupo que não teve qualquer intervenção.
A capacidade de distinguir entre palavras está normalmente associada a uma maior consciência fonológica, ou seja, uma melhor noção da estrutura sonora das palavras, uma componente essencial para se aprender a ler.
Os investigadores recorreram também a Electroencefalografias (EEG) para medir a atividade cerebral e descobriram que as crianças no grupo que aprendeu piano tinham respostas mais fortes do que as outras crianças quando ouviam tons de diferentes alturas (graves ou agudos). Isto sugere que estas crianças tinham uma maior sensibilidade para distinguir os sons e, consequentemente, distinguir entre palavras, o que facilita o processo de aprender a ler.
Como pudemos ver, a ciência ajuda-nos a encontrar muitas provas para os benefícios da educação musical das crianças. A educação musical tem um profundo impacto no desenvolvimento de uma criança e, ao contrário do que por vezes se pensa, não tem apenas benefícios para os que revelam talento ou capacidades inatas.
A música é uma forma de arte maravilhosa, capaz de enriquecer qualquer pessoa. Compete-nos a nós, enquanto sociedade, educadores e pais, conseguir motivar e dar as oportunidades necessárias às nossas crianças para que elas consigam desenvolver as suas capacidades.