
Criatividade e Música: Uma canção de amor
Ao contrário do que muitos possam pensar, a criatividade não é um poder mágico ou uma capacidade inata reservada apenas a alguns privilegiados. Pelo contrário, a criatividade está dentro de todos nós e pode ser trabalhada e potenciada. E como podemos fazê-lo?
Estudos recentes descobriram que a música, por exemplo, pode ser uma excelente forma de treinar o pensamento divergente, isto é, a criação de ideias originais e inovadoras.
Criar é uma compulsão humana. Todos nós nascemos com a capacidade para criar. Porém, à medida que as nossas vidas avançam e os processos de enculturação progridem, podemos ficar tão condicionados pelas circunstâncias da nossa vida familiar, profissional ou social.
Neste contexto, tudo nos parece rotineiro, previsível, expectável, ou seja, não criativo. É aqui que a sensação de entorpecimento criativo surge. Mas a verdade é que, quer sejamos artistas profissionais ou burocratas, todos nós criamos.
Abraham Maslow, um dos mais reputados psicólogos do nosso tempo e conhecido por ter estudado a motivação humana e criado a conhecida Pirâmide de Maslow, defende que a criatividade é uma característica da natureza humana [https://medium.com/the-creative-mind/maslow-creative-dichotomy-58a7b81aa3ae], que todos somos criativos, independentemente da nossa saúde mental ou ocupação profissional.
Um exemplo estudado por Maslow é o de uma mulher com pouca escolaridade, dona-de-casa a tempo inteiro e que, por predefinição ou convenção simplista, não seria considerada uma pessoa criativa. No entanto, com pouco dinheiro no seu orçamento familiar, esta mulher era capaz de manter a sua casa de forma impecável, as suas refeições eram verdadeiros banquetes e o seu gosto irrepreensível. Era original, engenhosa, inventiva e imprevisível, ou seja, era aquilo a que chamaríamos uma pessoa muito criativa. Aliás, são vários os exemplos em todas as áreas da sociedade onde as limitações conduzem a soluções criativas.
Ao aceitarmos o facto de a criatividade fazer parte da natureza humana, estamos preparados para poder mergulhar nas formas que existem para a potenciar e desenvolver dentro de nós e nas nossas vidas.
A criação de música
A música é uma manifestação artística verdadeiramente criativa. Vivemos rodeados de potencial musical: o vento intermitente, o chilrear dos pássaros, os sinais sonoros dos semáforos, o som de uma conversa numa esplanada, a campainha de uma bicicleta.
Para além dos inúmeros estímulos sonoros do nosso quotidiano, se olharmos à nossa volta quase tudo pode ser um instrumento musical, quase todos os objetos que compõem a nossa vida podem ser utilizados para criar música. É neste cenário de potencial criativo ilimitado que os músicos desenvolvem as suas capacidades.
A combinação melodiosa de sons através da arte, da técnica e da criatividade é a fórmula para a composição de música. Mas criar música está longe de ser algo meramente matemático (apesar de também poder ser). Existem, por todo o mundo, milhares de géneros musicais, mais ou menos populares, mais ou menos abstratos.
Olhar para o complexo tecido musical é uma tarefa avassaladora, mas que comprova perfeitamente a natureza criativa, inovadora e em constante mudança do mundo musical. Dos ritmos ancestrais africanos à música experimental contemporânea, passando pela música clássica ou música pop atual, os seres humanos têm tido a capacidade de criar qualquer tipo de música que expresse a forma como pensamos, vivemos e sentimos.
A música, pela sua complexidade estrutural, emocional e intelectual, tem um profundo impacto no nosso cérebro e na nossa cognição. Ao analisarem o comportamento do cérebro [https://www.ted.com/talks/anita_collins_how_playing_an_instrument_benefits_your_brain] quando estamos a ouvir música, os neurocientistas descobriram que esta atividade desperta mais zonas do cérebro do que outras tarefas, como ler ou resolver problemas matemáticos.
Tanto o hemisfério esquerdo como o direito respondem ativamente à escuta de música. Aliás, tocar um instrumento é considerado pelos cientistas como um exercício muito completo para todo o cérebro.
Se nas nossas vidas optarmos por interagir ativamente com música — seja na audição regular de qualquer género musical; aprender a tocar um instrumento; ou compor canções — vamos necessariamente exercitar a nossa mente e prepará-la para realizar tarefas de forma mais eficaz.
O efeito da música no nosso desempenho
O interesse científico dos efeitos da música na nossa cognição foi impulsionado com a publicação de um estudo, em 1993, pelos investigadores Rauscher, Shaw, e Ky. Neste estudo, as pessoas que ouviram a música do compositor austríaco W. A. Mozart revelaram temporariamente uma maior capacidade de raciocínio espacial — a capacidade de ver, analisar e refletir sobre objetos espaciais, imagens, relações e transformações — quando comparadas com as que estiveram em silêncio.
Este resultado, conhecido como o “Efeito Mozart”, pode ser explicado pelo nível de excitação e pelo ambiente gerado pela música, que têm um efeito positivo na execução de determinadas tarefas cognitivas.
Outro estudo, conduzido por Adaman e Blaney, procurou induzir determinados estados de espírito nos participantes através da música e analisou o seu impacto na capacidade de realizar tarefas criativas. Os participantes do estudo foram sujeitos a ambientes musicais eufóricos, depressivos e neutros, e, em seguida, tiveram de realizar tarefas de pensamento divergente, por exemplo encontrar uma utilização alternativa para objetos domésticos e quotidianos.
Os investigadores concluíram que tanto as pessoas que ouviram música eufórica como depressiva tiveram um melhor desempenho nas tarefas criativas (encontraram mais utilizações alternativas para os objetos) do que as pessoas que ouviram música neutra. Adicionalmente, as ideias mais originais foram encontradas no interior do grupo que ouviu música depressiva.
No Japão, uma experiência conduzida pelos cientistas Yamada e Nagai procurou estudar a influência do estado de espírito no pensamento divergente e criativo. Enquanto um grupo ouvia música feliz e outro grupo ouvia a leitura da constituição japonesa, os investigadores compararam o desempenho dos participantes na tarefa de criação de novas palavras para designar arroz.
Como resultados deste estudo, verificou-se que o grupo que ouviu música feliz foi capaz de criar respostas mais originais e divergentes do que o outro grupo, ou seja, demonstrou-se que um estado de espírito positivo, um ambiente feliz, pode conduzir à produção de ideias menos convencionais e atípicas, isto é, aumenta a criatividade.
Mais recentemente, num estudo publicado na Plos One, em 2017 [https://journals.plos.org/plosone/article?id=10.1371/journal.pone.0182210#pone.0182210.ref031], os investigadores Ritter e Ferguson concluíram também que ouvir música feliz ajuda no desenvolvimento do pensamento divergente.
Neste estudo, foram utilizadas quatro composições de música clássica que correspondiam a quatro ambientes distintos: calma, felicidade, tristeza e ansiedade. Cada grupo de participantes foi sujeito a um tipo de música e o quinto grupo esteve em silêncio. Quando comparadas com os participantes que estiveram em silêncio, os investigadores observaram que as pessoas que ouviram qualquer um destes quatro tipos de música tiveram um melhor desempenho na realização de tarefas de criatividade divergente e convergente. No entanto, as pessoas que ouviram a música feliz revelaram um desempenho superior na criatividade divergente.
Podemos assim concluir, após olhar para alguns destes exemplos, que ouvir música influencia positivamente a nossa capacidade para sermos criativos. Ao integrarmos a música nas nossas vidas diárias, estaremos a melhorar significativamente o nosso desempenho em áreas científicas, educativas ou empresariais, onde o pensamento criativo seja um fator relevante.
Na nossa sociedade atual e no futuro próximo, a criatividade é uma das capacidades mais valorizadas no mercado de trabalho. Vivemos num mundo cada vez mais complexo, global e com enormes desafios para o seu funcionamento e subsistência.
A criatividade gera inovação; e a inovação gera progresso. Se deixarmos que a música nos acompanhe como a verdadeira banda-sonora do nosso progresso, então estaremos perante uma bonita e inesquecível canção de amor.